A pregação de Jesus (= anúncio do Reino) nos remete a reencontrar o Jesus da História e compreender sua história e o contexto em que realiza sua missão profética messiânica.
Não é interessante ter como ponto de partida a análise da situação sócio-econômica - política e religiosa da Palestina em sua época, mas sobretudo ter como referência básica a compreensão de sua prática profética como uma orientação para a vida cristã.
Como toda prática humana, a de Jesus não representa um começo absoluto, pois teve de intervir em um campo minado por conflitos já existente integrando-se a um conjunto social bem amplo presentes em seu tempo. Jesus é uma pessoa inserida na realidade social do seu tempo vivida por um povo oprimido e de tamanha miséria ( Mt 9, 36). Jesus se encarnou por causa do Reino, foi perseguido e morto por causa do Reino.
Tomamos por referência a luta e o movimento popular do qual fazia parte: o perdão das dívidas (Mc 1,4.15); a retomada do ano jubilar, o ano da Graça do Senhor (Lc 4, 19); a questão da terra que se tornou propriedade Romana, e o anúncio do Reino aos pobres (Lc 4,18; Mt 11, 15;Lc 1,46-56) e o próprio sistema que excluia os pobres da salvação, pois eram tidos como impuros (Mc 7, 1-23; Jo 7, 49).
Jesus sofre com os seus e toma como conseqüência prática: perseguição e morte.
Em torno de Jesus aparece por assim dizer um profetismo representado por Zacarias (Lc 1,67); Simeão (Lc 2, 25ss); a profetiza Ana (Lc2,36) e sobretudo João Batista, sua presença se fez necessária para que se sentisse a diferença profética de Jesus Cristo.
Todos os profetas de outrora traduzem a Lei vivida ( Mt 14,4; Lc 3, 11-14) e o anúncio da ira e da salvação se distinguem profeticamente (Mt 3, 2.8) e se dá a conhecer distintamente (Jo 1, 26. 31).
Pelo contexto dos Evangelhos e os escritos neo-testamentários tem como ponto de partida o memorável acontecimento: o nascimento de Jesus.
Com efeito e certeza dos Evangelhos de Mt 2,1-15 e de Lc 1,5 que Jesus nasceu antes da morte de Herodes , o Grande, que pela História profana, caiu no inicio dos anos 750 de Roma, que corresponde ao 4º. da Era Vulgar. No ano precedente (indicado -5), se deu o nascimento de Cristo, embora não seja certo quantos meses se passaram da morte do tirano. Outra incerteza é a duração da vida pública de Jesus. A opinião que mais respeita os dados do texto evangélico é a que é fixada em dois anos e alguns meses. A esta atemo-nos ao seguinte quadro:
Ano | Acontecimentos | Evangelhos |
-5 | Nascimento de Jesus Cristo | Mt 2,1; Lc 2, 1-7 |
+ 8 | Jesus perdido e encontrado no templo aos doze anos | Lc 2, 41-51 |
28 | Pregação de João Batista | Lc 3, 1-3 |
Batismo de Jesus e inicio de sua vida pública | Mt 3, 13-4, 17 e paralelos | |
30 | Paixão, morte e ressurreição de Jesus, com a descida do Espírito Santo, começa a pregação dos Apóstolos e constitui-se a Igreja primitiva | Mt 26,47-75; 27,1-66; 28,1-20; Atos, 2,1-4 (Mc e Lc) |
No período de 4 a .C a 6 d.C, a Palestina vive um de extremo momento de violência, foram dez anos de revolta, de repressão, de massacres. No mesmo ano em que Arquelau se apresentou pela primeira vez , na Páscoa do ano 4 e provocou o massacre de 3.000 pessoas. Outras revoltas, como a de Séforis ocasionou a crucifixão de 2.000 rebeldes ao redor de Jerusalém, repressão brutal. È nesse contexto que nasce o movimento dos zelotas com forte espírito de rejeição aos romanos, com resistência ao Império até a tomada de Jerusalém por Tito e a destruição do templo.
É nesse contexto social de muita violência que nasce e cresce Jesus Cristo e como todo judeu inicia-se em uma profissão, a de carpinteiro como seu pai José. ( Lc 2,52; Mc 6, 1-6).
Sob o império de César Augustus, por conta do recenseamento Jesus nasce em Belém da Judéia, situada a 9 Km ao sul de Jerusalém, e para que se cumprissem as escrituras , Jesus nasce em uma manjedoura (estrebaria), após uma longa caminhada de seus pais: José e Maria, da Galiléia até a Judéia (Lc 2, 1-7 ).
Jesus inicia seu ministério público no momento em que o reino de Herodes o Grande, se divide. No décimo quinto ano de Tibério e morte de Augusto ( 19 de agosto de 767 de Roma = 14 d. C).
Jesus como o profeta do NT tem como missão exortar, edificar, consolar, se reduz à comunidade e sofre com a mesma. Renova os ensinamentos dos profetas revelando aos homens que Deus é deles Pai; devem pedir-lhes simplesmente: “Pai nosso, dá-nos hoje...” (Mt 6,11) “e que não se inquietem com o amanhã, nem tenham temores pela sua vida...” (Mt¨6,25-34; 10,28-31; Lc 6,34;12,22 – 32;21,18).
O Messias prometido inicia sua pregação pelo anúncio do Reino ( Mt 4, 23) e “a seguir, percorrendo toda a Galiléia, ele ensinava em suas sinagogas, proclamava a Boa Nova do Reino e curava toda doenças e enfermidades entre o povo”; as Bem-aventuranças que ele prometeu aos pobres e aos perseguidos, objeto de sua vinda (Mt 5,3-10; Lc 6, 20.23) , retoma por sua conta todas as promessas do AT, promessas dum povo e duma terra, dum Reino, que ainda não cumpriu, por não ter chegado a hora, mas quem nele crer já o terá encontrado. (Jo 1,41.45).
A grande promessa do Pai ( Lc 24,49), o Espírito Santo será dado por Jesus Cristo quando completar sua obra sobre a terra (Jo 17, 4), amar até o fim (Jo 13,1) dar seu corpo e seu sangue ( Lc 19, 30). Jesus é Servo, Cordeiro de Deus. Carregando sobre a cruz pecados dos homens, ele transforma a tentação da blasfêmia em queixa filial e a absurda morte em Ressurreição (Mt 27, 46; Lc 23,46; Fp 2,8s)
Enfim a última etapa de sua missão deverá abrir-se a última tentação e agonia (Lc 22,20.46) vencendo o tentador até o fim (Lc 4,13), dando à humanidade a grande oportunidade de engajar-se na mais pura e verdadeira condição de filhos de Deus pela vocação filial (Lc 2,10-18).
Em seu conteúdo messiânico, Jesus se utiliza da Lei: AT – para universalizar os mandamentos consagrando o mandamento do AMOR: “Amarás aos outros mandamentos neste, senão próximo como a ti mesmo”, ELE não só concentra os outros que o liga indissoluvelmente ao mandamento do Amor de Deus” (Mt 22,34-40p) e ainda especifica que deve-se amar aos adversários, e não só aos amigos (Mt.5,43-48) quebrando assim pelo amor, todas as barreiras para atingir o próprio inimigo.
Durante sua vida Jesus se apresenta a seus contemporâneos sob aparências complexas : “profeta de penitência, mas, mais que profeta (Mt 12,41); “messias”, mas que deve passar pelo sofrimento do “Servo de Javé, antes de conhecer a glória do Filho do Homem” (Mc 8, 29ss); doutor mas não à maneira dos escribas ( Mc 1,21s).
Jesus mostra a responsabilidade de Jerusalém: os profetas de outrora foram assassinados, ele próprio será entregue, seus enviados também serão mortos. O juízo de Deus só pode ser severo contra a cidade culpada: todo sangue inocente derramado aqui na terra desde o sangue de Abel recairá sobre esta geração ( Mt 23, 29-36). Judas (Mt 27,4) e Pilatos ( Mt 27, 24s) reconhecem que entregaram o sangue inocente mas não assumem a responsabilidade.
No texto sobre o imposto de César (Mt 12,13-17) são grandes as controvérsias messiânicas (Mc 11,15-22,44), a atitude de Jesus é em defesa da terra (Mc 1,4; Lc 4,18-19) da soberania do povo e do nome de Javé. A terra é de Deus, portanto é do povo e não de César. Poderia ter feito de forma adversa do que fez, mostrando que não deveria pagar o tributo a César, pois assim está reconhecendo-o como deus e negando a divindade de Javé. Mas Jesus orienta-os dizendo: “daí a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus.” (Mc 12, 13 – 17)
Um outro ponto importantíssimo é no caso do templo, como a lógica era a carga do sistema tributário, recaia sobre o povo a maior parte do pagamento de impostos ao Estado. romano e ao Templo (Mc 17,24-27) que chegava a 60% da produção, razão esta pela qual a população era tão pobre, e ainda a obrigatoriedade do dízimo dos pobres, para a manutenção dos sacerdotes levitas, motivo este para causa de muitas revoltas e de perseguição de todos que assumissem a defesa dos excluídos como é o caso de Jesus Cristo.
É neste contexto que entendemos a prática de Jesus, que se posiciona contra as tradições criadas pelos homens para benefício próprio, e não como vontade de Deus (Mc 2,23-28; 7, 1-23) “ O homem não é para o sábado, mas o sábado é para o homem”. Se o homem fosse para o sábado, ocorreria um sacrifício humano a um ídolo que se chama sábado”.
A prática de Jesus, relatada pelas controvérsias sobre a Lei (Mc 2,1-3,6), revela seu confronto com as autoridades de seu tempo. Sua prática visa defender a vida, e em vista da vida , toda lei deve ceder. Esta liberdade de Jesus perante a lei, e sua autoridade ao ensinar (Mc 1,22) é que conduz Jesus o enfrentamento final com as autoridades do povo e é levado à morte. É nestas controvérsias que encontramos o conteúdo principal de seus textos que revelam sua liberdade polifônica e policrômica diante da realidade social, diante das autoridades e diante da Lei, assim como sua autoridade, cujo poder advém de sua interação no movimento libertário de seu tempo. Tais atitudes revelam, em profundidade, sua pessoa ( seu ser), como a máxima REVELAÇÃO DE DEUS aos homens – mulheres - pobres, como portador do anúncio do Reino, rejeitado devido à incredulidade ( Jo 1,11).
O cerne das controvérsias sobre a lei é a defesa da vida. Jesus, demonstra que a vida é dom mais precioso de Deus, a medição fundamental para o encontro com Deus. Por isso a vida está acima da lei. Deus não quer que a observância do culto impeça a observância do humano, senão exatamente ao contrário. Assim sendo qualquer que seja o atentado contra a vida real dos seres humanos acaba sendo um atentado contra o próprio Deus, e Jesus mostra claramente várias vezes: em Mt 9,13 –“ comida com publicanos; Mt 12,7 - as espigas arrancadas no sábado. Fazer a vontade do pai é praticar a justiça com os seres humanos, e não a prática do culto Mt 5,23.
Portanto Jesus é reconhecido pelo povo como profeta (Jo 9,17; Mt 16,14; 21,11,46; Mc 6,15; Lc 7,16. 39; Jo 4,19) Era considerado líder popular, aparece como a continuidade da linha profética de Israel, com o mesmo destino dos profetas, o martírio, a morte ( Lc 11,17-51; 13,34;Mt 23,37). Podemos tomar Jesus como testemunho fiel do Reino, aquele que por coerência, não se desviou do caminho (Mc 8, 27-11,8;Lc 9,51), mesmo que tentado pelas mais terríveis tentações (Mc 1,12-13; Mt 4,1-11; Lc 4,1-13; Mc 8,32; Jo 11,7-10). É o Jesus profeta que fala até o fim sem medo, tornando-se perigoso para os perseguidores, seu testemunho provoca a perseguição e a morte de suas testemunhas por ser fiel ao Pai. ( Mc 12,12); Jo 7,30-44; 10,39; Mc 3,6; 11,18; Lc 4, 28-30; Jo 5,18; 8,59; 10,31; Mc 14,1-2. Sua principal missão anunciar o Reino de Deus, um Reino de Paz, justiça e solidariedade entre todos os povos..
A denúncia profética de Jesus Cristo, parte da convicção de que o Deus que libertou Israel do Egito, que fez a Aliança no Sinai, que acompanhou seu povo no deserto defendendo-o contra todos os perigos e contra os opressores que maquinam uma sociedade injusta gananciosa de poder que emana da corruptível vontade humana, é um Deus que não tolera o sofrimento do ser humano que o criou para viver e praticar a justiça chegando a perdoar o opressor arrependido.
Margarida Maria Viana Sales
Teologa/Psicopedagoga/Profa.História
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